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 Revista toxicodependências

 
Revista nº: 3/2011
ABERTURA

Talvez um dia alguém se dedique a escrever a história da intervenção pública face às toxicodependências, em Portugal. É uma história complexa e longa – mais de 30 anos – com avanços e recuos, envolvendo vários Ministérios, mas em que progressivamente se foi desenhando uma organização, sem paralelo no contexto europeu, capaz de coordenar as diversas áreas, a prevenção, o tratamento, a reinserção social, a redução de riscos e danos, a formação e investigação, articulando as estruturas públicas com a iniciativa privada. Detentora de um saber internacionalmente reconhecido, esta organização, com a sua intervenção clarificada por um documento, a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga (1999)*, ousada nas suas formulações e nas suas ações mas com a segurança de uma partilha permanente de experiências, a nível nacional e internacional, foi ainda determinante para a produção de legislação que expressa uma atitude mais justa e adequada ao fenómeno da toxicodependência. A revista Toxicodependências faz parte também desta intervenção, em que nos revemos, e que temos procurado exprimir, documentar, partilhar, abrindo a reflexão a novos saberes e assim procurando permitir uma maior fundamentação e renovação do pensamento e da ação. Os resultados positivos desta intervenção são reconhecidos nacional e internacionalmente. A diminuição da criminalidade ligada ao consumo de drogas, a diminuição dos consumos problemáticos de drogas, nomeadamente injetáveis, a diminuição da contaminação pela SIDA, Hepatites, Tuberculose e a maior efetividade do seu tratamento, são, entre muitos outros factos, triunfos que não só representam ganhos humanos consideráveis mas também ganhos económicos. Sim, é mais caro prender um toxicodependente que rouba para consumir, do que tratar ou cuidar. É mais caro tratar um toxicodependente contaminado por uma das doenças infeciosas citadas – e todas as outras pessoas que poderá contaminar - do que prevenir a sua contaminação. É mais caro prescindir do contributo social que tantos voltam a dar do que intervir adequadamente. Mas muitos de nós conheceram um tempo em que o crime era diretamente relacionado com as drogas, em que as estatísticas portuguesas em relação à contaminação pela SIDA e outras doenças nos envergonhavam, em que os toxicodependentes contaminados pela tuberculose se mostravam desmotivados para se tratar, abandonando o tratamento e contribuindo para a propagação da doença. Um tempo em que a ausência de intervenção correta levava à convicção de que a toxicodependência era sempre incurável e em que os toxicodependentes eram marginalizados nos serviços de saúde que não estavam preparados para os acolher. E por isso estamos imensamente inquietos com as transformações anunciadas na intervenção pública na toxicodependência. Não se pode atuar com ligeireza, sem reflexão. O que for feito agora para poupar, pode sair caro, muito caro. Em sofrimento, em mortes mas também em cifrões.
* Ministério da Saúde – Instituto da Droga e da Toxicodependência – Imprensa Nacional-Casa da Moeda (4ª edição-2006).


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